
Mergulho
“As mulheres começam por resistir aos avanços de um homem e terminam por bloquear a sua retirada”
Oscar Wilde
Medo estranho. Estranho sim. Diferente. Incomum. Suspeito que os medos apesar de freqüentes e íntimos e viscerais não pertencem à categoria das coisas comuns. Gosto de dicionários, vejamos o que um deles me diz: Comum adj. 1.Pertencente a todos ou a muitos. 2.Habitual, costumeiro. 3. Banal,Trivial. – O dicionário estava aberto e percorri sem medo, isto é importante, as muitas páginas que distanciam comum de medo naquele livro e, depois de ler a definição de medo ali contida, digo, é maior a distância dos dois no dicionário do que no correr dos dias – Medo sm. Sentimento de inquietação ante a vivência de uma ameaça real ou imaginária; receio, temor. Imaginária ou imaginário, mais perto de medo no dicionário do que comum, digo, do que a palavra comum. Imaginário adj 1. Que existe apenas na imaginação; ilusório......
Estranho: Povoando por primeira vez o escuro espaço de meu fechar de olhos.
Diferente: Eu pouco entendia de medos. Entende agora essa excursão inusitada por dicionários? – desconsiderando, o já mencionado amor, gosto, predileção, entusiasmo ou, seja lá como possamos explicar, essa mania por dicionários, aliás, dicionário sm. 1. Conjunto extenso de vocábulos dispostos alfabeticamente, com os respectivos...
Chega disso, quanto dicionário, quanta digressão, vejamos, suponho que saiba o que é digressão, mas agora voltemos ao assunto, desculpe, não sei o que é pior, deixar em suspenso, em dúvidas o significado de uma palavra ou percorrer as páginas desse ou daquele dicionário. Por agora eu continuo: pouco entendia de medos. Medo em minha vida? Quase nenhum.
Somente o medo de sentir medo e a dor de ser forte. A dor prazerosa ao receber golpes e não senti–los ou não sentir o corpo propenso à queda ou sujeito à amargura. Aquele medo era o mais imaginário dos medos, por ser desconhecido, por estar ali em seus primeiros segundos de medo desolador, objeto perfuro e cortante em nossas medulas. Pérfido e cortante, não, medos não traem sua fé, nem desonram seu desígnio primeiro: Paralisam e depois tudo fica por conta do aturdido, do envolto no medo, do capaz ou incapaz de desvencilhar-se de seus raios gélidos na medula.
O medo recém-nascido, impregnado de sangue neural, de espanto ao ver o mundo subitamente, não chorava, nem úmido sequer era e cor alguma, nele pude perceber.
Eu não podia vencê-lo e nem ele a mim, fiquei alheio e o barulho feito por ele no quarto escuro dos meus olhos fora – do - mundo, soavam sem som.
Não era medo de afundar embarcações ou de reter o corpo suado à inércia da cadeira, antes apenas, um desses medos principiantes que tentam encurralar-nos em uma quina da sala. Já confessei minha ignorância em relação às diversas categorias e pretensões dos medos do mundo. O arsenal fóbico do estático destino do mundo, a multidão caótica dos medos que se inventam e fazem, não de uma coluna vertebral outro corpo e, sim, de cada falha ou inépcia do corpo, fazem dois ou três ou vários corpos de medo, com nomes e formas diversas, irreconhecíveis, dificultando assim o trabalho de um catalogador experiente e ainda mais de um aprendiz que pouco sabe ou sente, sobre medos.
Já fui menino e desconhecedor natural de medo, vocação de criança e ainda ousava gritar. Hoje dizem, não é mais nenhum menino e apesar do sorriso maroto e a falta de medo convencional, não grito mais como antes e por falta de ousadia ou habilidade para gritar, abro os olhos. Ao abrir meus olhos e ver terminado o abraço dos meus em outros lábios, vi o barulho do medo – o de um minuto e meio de vida – invadir o copo com a bebida amarga sobre a mesa.
Julio Almada
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